27/08/2014

Ilhas e dádivas


«Não sei realmente o que se passou comigo. Se quiser ser bombástico, direi que, ali, tinha finalmente encontrado a paisagem dos meus sonhos, o meu verdadeiro lar. Se quiser gracejar, direi que foi amor à primeira vista. (...)
Há vários motivos que explicam a minha preferência por esta ilha. Primeiro, o lamiré que recebi da minha intuição. Esta é a tua paisagem, Bergman. Corresponde às tuas concepções mais íntimas de linhas, proporções, cores, horizontes, ruídos, silêncios, luz, reflexos. Aqui há harmonia. Não perguntes porquê, porque quaisquer explicações serão só argumentos desajeitados. Por exemplo: na tua profissão procuras simplificação, proporção, tensão, descontracção, alento. Ora, esta paisagem de Farö dá-te tudo isso. 
Outros motivos: tenho de ter uma válvula de escape para o meu trabalho no teatro. Na praia posso enfurecer-me, gritar como um possesso, e o máximo que pode acontecer é que uma gaivota levante voo. No palco isso seria uma catástrofe. (...)
Ainda outras razões de carácter sentimental: Durante as filmagens de Persona, Liv e eu apaixonámo-nos, e cometi um erro fatal: construí a casa pensando que passaríamos a viver os dois ali, na ilha. (...)»

Ingmar Bergman, Lanterna Mágica, Caravela, 1988

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«Estava isolada de tudo o que era antes a minha vida. E num processo de procurar uma nova vida, dentro de mim.
Uma mutação que só a solidão na ilha tornara possível. (...)
Mas agora, quando sentia mais medo e solidão do que nunca, alcancei pela primeira vez um senso de segurança interior.
E ansiei pelo homem que escrevia no seu estúdio. Queria partilhar com ele este novo conhecimento, mas não pude. (...)
Vivi ali por um rápido período da minha vida e o que levei comigo não foram as pedras, as árvores, nem a beleza. (...)
Parti de Farö; as minhas raízes jamais puderam firmar-se naquela terra, mas estão para sempre plantadas nas experiências que a ilha me deu.
As dádivas não são sempre de felicidade. Acho que aceito isto. Acho que esta é a minha mais importante mutação. (...)»

Liv Ullman, Mutações, Nova Nórdica, 1984


bergman & liv


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